sábado, setembro 03, 2005

Viagem a Sto Antão - parte 2

O segundo dia no Porto Novo começou bem cedo, é impossível dormir muito com este calor insuportável… Logo pela manhã comemos uma belíssima canja (bem mais rica que a portuguesa), com uma gota de malagueta (uma gota chega para fazer reagir todas as células do corpo…). Saímos para a rua a pensar ingenuamente que seria possível aguentar o calor debaixo de uma qualquer sombra… mas depois de caminhar uns poucos metros na rua principal percebemos que a tarefa era bem mais complicada do que parecia. Arrastava-me pela rua com a máquina fotográfica em punho para tentar tirar algumas fotos de recantos curiosos que tinha observado no dia anterior, mas debaixo do sol abrasador todos os locais de maior interesse rapidamente deixaram de ser assim tão importantes. Foi possível tirar as fotos que procurava, apesar de parar em cada sombra e de me abastecer convenientemente de água fresca.
De regresso à base decidimos pegar nas mochilas e apanhar o “Hiace” para o outro lado da ilha, o calor era tanto que já nem queríamos assistir a mais uma noite de festival. Mas felizmente os planos foram alterados, de um momento para o outro já tínhamos boleia para fazer a travessia para a Ribeira do Paúl, só tínhamos que aguentar mais umas horitas em Porto Novo. O bar Holanda foi o poiso de eleição, mais uma vez… entre batatas fritas, búzio e algumas Sagres (mais uma vez para evitar a desidratação…), lá fomos aguentando até à chegada dos anfitriões que se seguiam.
Desta vez a noite começou cedo, a música continuava razoável e o ambiente no “recinto” era cada vez melhor… em cada paragem bebíamos mais um bocadinho de ponche de mel caseiro do melhor que já bebi, a cada passo na areia tinha que evitar pisar os muitos corpos estendidos vencidos pelo cansaço e pela descomunal bebedeira que já devia durar à cerca de 2 dias. As pessoas sentavam-se e deitavam-se em qualquer lado, algumas até levavam colchões de espuma para por sobre a areia preta, outros caíam para o lado e ficavam estendidos num estado que variava entre o pré-coma e o coma profundo, havia tendas montadas espalhadas pelo areal, barraquinhas de venda de sonhos de peixe e de cerveja já quente. Entre cada grupo musical dançava-se… eu também dancei, ou melhor, tentei aprender a dançar… Este povo nasce já com o ritmo no corpo, e eu aqui sinto-me quase uma tábua dura de madeira que não tem capacidade de vergar…
Deviam ser quase 5 da manhã quando decidimos acabar com a festa e fazer finalmente a viagem para o outro lado da ilha. Numa carrinha de caixa aberta, sentada em cima de uma esteira, atravessei de noite totalmente às escuras a parte mais alta da ilha. Vi uma ilha diferente, comecei a perceber onde estava pelas sombras e pelos cheiros que sentia em cada local. As estrelas lá em cima viam-se com uma nitidez impressionante… o ar fresco da noite arrefeceu os meus pés pela primeira vez desde que cheguei aqui… o céu ia passando de uma preto profundo para um azul de amanhecer… quando iniciámos a descida olhámos para baixo e só se viam nuvens, um cenário difícil de esquecer. Chegámos ao Eito, na Ribeira do Paúl, cerca de 1h30 depois do início da viagem, e finalmente com o céu a querer clarear, fomo-nos deitar. Os dias que se seguiram foram todos passados nesta Ribeira, entre as paisagens mais espectaculares que já puder observar, fui recebida no seio de uma família que jamais poderei esquecer. Nestes dias descansei e fiz o balanço que há já algum tempo precisava fazer. A paz do local, a simpatia das pessoas, a comida maravilhosa, os passeios por trilhos e entre plantações de cana… e a melhor companhia que podia ter nesta viagem…
Definitivamente Sto Antão é a minha ilha de eleição.

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