sexta-feira, janeiro 30, 2009

Cidade de "Caniço"

A cidade de Maputo está dividida entre cidade de "cimento" e cidade de "caniço", sendo que esta designação fazia sentido quando as casas da periferia eram mesmo feitas de caniço, actualmente são feitas de cimento, mas são um monte de casinhas encostadas ao lado umas das outras, quando vistas em comparação com a cidade de cimento, onde temos ruas largas com passeios amplos, prédios altos e casas de maiores dimensões.
No fim-de-semana passado fui passear para fora de Maputo e ao sair da cidade conseguir tirar algumas fotos do movimento que se vive na periferia.
Aqui estamos a chegar ao mercado, a confusão de "chapa 100" (transportes colectivos, normalmente em carrinhas tipo toyota hiace, meus velhos conhecidos de Cabo Verde como "iace"), misturados com gente que atravessa a rua em todas as direcções, a rua que não tem faixas de rodagem marcadas, camiões de transporte de tudo e mais alguma coisa (neste caso de palha), e começam a misturar-se com vendedeiras que se organizam em zonas: zonas das sapatarias, das mobílias, dos legumes, da roupa, das peças de automóvel, dos materiais de contrução... tudo ao ar livre. Aqui passamos nas sapatarias, a primeira loja tem uma mistura de sapatos usados e de sapatos novos, óbviamente os primeiros são muito mais baratos que os segundos.
Avançamos então para a zona dos que arranjam as bicicletas (em primeiro plano) e dos materiais de construção (em segundo plano).
E já à saída passamos por uma das muitas igrejas universais do reino de deus, onde passa à porta uma família protestante que sai da missa de domingo de uma outra igreja qualquer, e vem vestida a rigor, fato para os homens e vestido branco com chapéu, também branco, para as mulheres.
Como diria o pai de um amigo, usam a roupa de "ir ver a deus".

Baratas

Todos os que me conhecem bem, sabem que só há um bicho que me mete verdadeiramente NOJO... baratas.
Não posso vê-las, são repugnantes, detecto-as a 10 metros de mim, fujo a sete pés, fico em pânico, quase descontrolada, tento ter reacções racionais e controlar a parte emocional de puro pavor, mas não consigo e às vezes dou por mim a correr, a saltar, a guinchar ou mesmo a berrar, sem conseguir expressar uma palavra perceptível. Quem me veja nestes momentos deve achar que sou louca, mas quando finalmente consigo explicar que tudo aquilo é por causa de uma barata... enfim.
Quanto fui ao Vietname, elas eram tantas e andavam por todos os lados que eu comecei a lidar melhor com a presença delas, pensei que estava a melhorar. Mas agora percebi que não.
Mal entrei na minha nova mansão tive o cuidado de comprar baygon ou raid ou outra coisa do género, e pulverizei tudo até acabar a embalagem. No dia seguinte apenas um cadáver apareceu.
Fiquei tranquilizada, isto significava que não tinha baratas. Mas 2 dias depois, estava eu ao telefone com a família em Portugal, olho para trás de mim e vejo a passear-se na ombreira da porta uma baratonga do maior que já tinha visto. Desatei aos berros ao telefone, devo ter assustado a minha mãe e a minha irmã. O meu pânico era real, "como é que vou fazer?" e elas diziam "mata com o spray", "mas já acabou, e agora?" eu estava completamente em pânico, a sério vocês não imaginam. Elas diziam-me "mata com a vassoura", "mas eu não consigo, é perto demais", do outro lado a minha irmã responde "acho que consegues estar a 2 metros dela com a vassoura". Entretanto a chamada caiu. Passei a muito custo para a cozinha, que era na porta ao lado de onde estava a barata (as baratas aqui são voadoras, daí o meu pavor ser ainda maior que o normal), peguei na vassoura, não sem antes confirmar que não tinha nenhuma barata agarrada também. Quando saí da cozinha já suava em bica, estava completamente descontrolada, tremia (a sério, nunca me tinha visto assim). Peguei na vassoura como se fosse um taco de basebol e bati com toda a força, mas foi só de lado e ela caiu e começou a correr na minha direcção. Ahhhhhhh. Batia desenfreadamente no chão com a vassoura mas sem sucesso, a barata entretanto inverteu a marcha e fugiu para dentro do escritório, fui a correr atrás dela a medo, tentei acertar mais umas vezes mas ela desapareceu na parede, não sei para onde.
Tranquei a porta pus a vassoura junto à porta e a lata de spray vazia em sinal de aviso. Nessa noite devo ter dormido no máximo 2 horas.
No dia seguinte sai sem olhar para trás, quando voltei à hora de almoço vi uma barata a morta à entrada do quarto, pensei que o spray afinal apesar de retardado sempre fazia efeito, deixei-a ficar lá, espreitei para dentro do escritório e estava lá outra também de patas para o ar, afinal eram duas... bolas.
À noite quando voltei a que estava à porta do quarto estava já no meio do corredor a espernear, "está viva!!!", peguei na vassoura e esmaguei-a com toda a força, mas ela voltou-se e começou a correr para mim, "bolas, outra vez não !!!", bato no chão mais umas vezes e por fim separo o corpo da cabeça e ela deixa de mexer. Penso então na outra que era maior e que estava dentro do escritório. Abro a porta e não a vejo, entro devagar, espreito para todos os recantos e só quando já vou a sair do quarto é que a vejo a subir pela porta. Dou-lhe uma vassourada que a atira ao chão e agora, já com a pontaria afinada, dou-lhe duas pauladas que a põe KO. Isto é demais...
Ontem, como se isto não chegasse, despejei mais uma embalagem de spray em casa e antes de fazer efeito uma barata pequena saltou para cima de mim.... Ahhhhhh, pus-me aos saltos e aos berros, porcaria de barata. Mal me livrei dela meti-me no banho purificante... Ufff
Amanhã vêm cá fazer a desbaratização, entretanto tenho uma série de cadáveres à espera de ser apanhados em casa, tenho que comprar uma pá, já que não consigo apanhá-los com a mão.
Só vos digo meus amigos, estas baratas estão a sair-me muito caras.

quinta-feira, janeiro 29, 2009

Entrevista imaginada

Fui para as ruas de Maputo e entrevistei em pensamentos condutores e peões, e imaginei que para as minhas perguntas seriam estas as suas respostas (com base no que tenho visto):


Aboborita - Bom dia, pode-me dizer quando se deve atravessar uma rua?
Condutores e Peões - Sempre que me apetecer.
A- E onde há semáforos?
CeP - Aí é quando o semáforo grande passa para verde (o semáforo dos carros).
A - E onde se deve atravessar?
CeP - Onde me der mais jeito.
A - Sabe o que são passadeiras?
CeP - Nunca fomos apresentados.
A - Já viu aqueles traços brancos paralelos no chão que atravessam a rua?
CeP - Sim, mas tenho tentado apagar, todas as pessoas da cidade estão a colaborar.
A - Quando está parado num semáforo quando sabe que deve arrancar?
CeP - Quando acho que já estou parado à demasiado tempo, mas se estiver polícia do outro lado vou avançando devagarinho com o sinal vermelho e logo que passe a verde dou um arranque de deitar muito fumo para trás.
A- Quantos carros cabem numa faixa de rodagem?
CeP - Depende, pode ir de 1 até 2 ou 3, é ir experimentando.
A - Quando os carros andam depressa e as pessoas se atravessam à frente o que é que se deve fazer?
CeP - Manter a velocidade dos carros, não desviar, as pessoas desviam e se for preciso correm para não serem atropeladas.
A - Na Av. 25 de Setembro pintaram a "lagarta" no chão para delimitar as faixas que viram e as que vão em frente, mas ninguém cumpre, toda a gente passa as linhas como se nem as visse, sabe porquê?
CeP - Minha Sra, pintaram a lagarta porque os nossos artistas são modernos e agora não pintam só na tela, gostam também de pintar a cidade, aquilo é arte, a rua é para andar normalmente, sempre em frente, por cima da arte.
A - ahhh, ok, muito obrigada.

A - E fecho por aqui a minha entrevista, tenho que me desligar dos parâmetros portugueses e adaptar-me à nova realidade onde vivo e conduzo diariamente. Já vou sempre em frente, sem me desviar, sem abrandar, passadeiras não as conheço, e sinais verdes já os vejo a passar.
Em breve conto ter um vídeo para mostrar a famosa Av. 25 de Setembro nas horas de maior movimento.

terça-feira, janeiro 27, 2009

A minha mansão

Ora então deixem que vos apresente a minha nova casa, que ao contrário da micro-casa de portugal esta é uma verdadeira mansão, só lhe falta o jardim e a piscina, mas também num 8º andar, isso seria algo difícil de conseguir.
Esta é a minha sala de estar, como podem ver tem 2 zonas com sofás diferentes, ao todo tenho 6 sofás e dois móveis/estantes. As minhas malas acabadas de entrar em casa fazem um montinho de cerca de 150 kg, nada mau para o caracol que anda com a casa às costas.
Daqui temos uma vista da sala de estar para a sala de jantar, de onde se tem acesso também para o resto da casa.
Esta divisão é uma inovação para a maior parte das habitações, é um quarto dos arrumos em tamanho gigante. Aqui vou por o meu equipamento de desporto todo, tenho uma arca frigorífica tamanho gigante (dá para me meter lá dentro nos dias mais quentes) e é onde se passa a roupa.
A divisão das lavagens de roupa com uma máquina de lavar e um tanque. Daqui também se tem acesso para a casa-de-banho da empregada, um luxo herdado das casas da época colonial.
A cozinha gigante só cabe em parte na fotografia, tem 2 frigoríficos gigantes, um fogão gigante, 3 bancadas, 1 parede inteira de despensa e metade da cozinha é toda ela a zona de refeições.
O quarto pequeno (maior do que o meu quarto mais pequeno de Portugal) que serve de momento de escritório, tem uma cama para receber visitas e está equipado com ar condicionado, aliás como todos os outros e também a sala.
A casa de banho pequena com duche, para as visitas.
O quarto de visitas (em princípio) com duas camas de solteiro e cómodas para arrumação para além do guarda-fatos. Podem vir visitas, serão bem recebidas.
A casa de banho grande, com banheira, arrumação e pronto, o normal.
E finalmente o meu quarto. Tem duas belíssimas janelas uma para cada lado, vista para a baía de Maputo e vista para a Catembe... um luxo. Uma cama gigante só para mim, mesmo como eu gosto, um tocador e um sofá. E dorme-se tão bem...

segunda-feira, janeiro 26, 2009

Lixeira

22h de quarta-feira, horas normais de um dia normal da recolha de lixo na cidade de Maputo. Os camiões já iniciaram a recolha, daqui a cerca de 2 horas devem iniciar as primeiras descargas da noite na lixeira. Acabo de jantar, com o rádio em punho e os mapas das rotas na mão, saio para as ruas quase desertas atrás deles. Hoje sigo as rotas 1 e 2, vou só ver se está tudo a correr bem, ver quais são as maiores dificuldades, e são muitas. “Rota 1, rota 1, chama”, “Aqui rota 1, diga Engª”, “Em que ponto está”, “Ponto 16, na Av. Karl Marx”, “ok, vou ter consigo”. Já um pouco mais à frente cruzo-me com a viatura, pelo caminho ficaram umas 5 brigadas de trânsito que se posicionaram ao longo da 25 de Setembro, deve estar cá alguém importante hoje… isto só é normal ao fim-de-semana. Assisto à recolha, falo com eles, combino por volta das 23h entrar no camião para ir acompanhar a descarga à lixeira, os olhares e espanto transformam-se em satisfação.
À hora combinada trepo para a cabine, mais parece uma suite com tanto espaço, ou o cockpit do avião com tantas luzes, seguimos com o ar condicionado ligado, porque doutra forma aqui era impossível. Saímos da cidade, passamos pelos subúrbios em tempos chamados cidade de caniço, para distinguir da cidade de cimento, agora é tudo feito de cimento, mas o ordenamento é que continua marcadamente diferente. Em apenas 25 minutos aproximamo-nos da lixeira, a vista de dia é completamente diferente da vista de noite. O cenário é agora dantesco… os montes de lixo escuros deixam escapar uma névoa de fumo da combustão lenta e quase invisível de um lado, do outro lançam labaredas vivas e com cerca de 2 metros de altura. A zona da descarga de lixo é lá ao fundo, temos de avançar em marcha a trás por entre este corredor de lixo, orientado apenas pelo instinto, e desta vez o instinto falhou, atolámos a meio deste corredor, ficámos com as rodas submersas em lixo fresco.
Lá ao fundo começam a surgir alguns vultos na penumbra, um cambaleante trás na mão um copo de shot e acaba de beber a bebida de elevado teor alcoólico que o deve acompanhar há anos, outros trazem ganchos e sacos às costas, outros trazem lanternas. São os catadores. Aproximam-se para tentar ajudar. Começam a tirar o lixo que bloqueou as rodas, mas nem isso faz mover o monstro, “vem lá um camião” pedimos reboque, temos apenas um problema, não há cabo de reboque, em 5 minutos com um corropio de gente para trás e para a frente, surge do meio da lixeira um cabo de reboque de aço, daqueles mesmo bons. Entretanto o camião já tinha descarregado e seguido caminho. Vêm os nossos camiões fazem as descargas, passam, cumprimentam, sorriem e fazem adeus, “é a Engª”, que espanto. Nesta confusão estão 3 carros nossos a descarregar, 1 atolado e nos entretantos chega um outro que se liga a nós com o cabo de reboque e nos puxa dali para fora. O motorista todo contente pega no rádio e comunica com um sorriso nos lábios o seguinte “Já vamos sair da lixeira, levo a Engª comigo, desta vez conseguimos não a deixar cá”, do outro lado ouve-se o supervisor a dizer “bom trabalho”. Os outros motoristas ainda ali ao lado riem e acenam, a noite ainda agora começou, ainda virão à lixeira fazer mais uma descarga esta noite, mas desta já se safaram.

A Saga da Casa

Desde dia 6 até dia 24... estava a ver que isto não acabava... Ainda antes de vir para cá já andava meio mundo à procura de casa para mim, e nem mesmo assim encontrar ninho foi uma tarefa fácil. Vou resumir um pouco as casas e situações que vi e vivi.
Primeiro apartamento, T3 grande com vista para a baía e para a Catembe, precisa de obras e tem um pequeno problema... elevador avariado... sobe, sobe, sobe... bolas... é melhor pensar.
Vou ver outros, vejo muitos outros, tantos que nem me lembro da ordem. T3 com obras na cozinha e nas duas WC, entro e a cozinha está podre e as wc têm a descarga a funcionar à caneca... ok. Siga para outro.
Casa de um Libanês, chegamos antes dele, não podemos entrar porque a mulher está sozinha, esperamos pelo marido. Marido chega, é da minha idade, pergunta para quem é a casa (eu estou acompanhada por duas pessoas das agências), digo que é para mim, e ele responde então só podes entrar tu, mas antes tenho de ver se a minha mulher tem a casa pronta para tu entrares, ok. Espero mais 2 minutos. Quando entro a mulher (muito muito nova) está sentada no sofá da sala frente à televisão onde passa a "Al Jazeera" em árabe, não me dirige o olhar directamente, nem a palavra. O marido mostra-me a casa ao pormenor. Gostei de tudo principalmente por estar totalmente equipada, problema imensa humidade que está a desfazer as paredes... Antes de sair a conversa foge para a guerra entre Israel e Palestina... digo que não compreendo nenhuma guerra, as feições dele alteram-se e diz "vamos lutar até à última gota de sangue", e eu digo, percebo o que sentem, mas continuo a acreditar que há forma melhores de resolver os conflitos, sem que haja necessidade de morrerem tantos inocentes. Em resposta recebi um convite para almoçar com eles. Das duas uma, ou me queria envenenar, ou queria começar um harém. Agradeci, e saí para o almoço. Cá fora chovia torrencialmente e tive que ficar à porta do prédio à espera que houvesse uma aberta, para meu espanto, o rapaz sai de casa com um chapéu-de-chuva para me acompanhar ao carro. Mais espantada fiquei quando me deu o chapéu e seguiu a trás de mim à chuva, a cerca de 2,5m como mandam as boas regras da cultura dele, e como manda o bom cavalheirismo que nunca tinha visto senão em filmes do antigamente.
Continuando com as aventuras das casas. Encontrei entretanto a casa dos meus sonhos, mas estava vazia, sem mobílias nem electrodomésticos, mas negociei com o proprietário e ele comprometeu-se a colocar lá o mínimo dos mínimos para eu poder mudar-me para lá 4 dias depois. Combinei tudo, ligar-lhe-ia daí a 1h para ele me dizer que mobílias iria colocar na casa, e eu entretanto tratava de arranjar o resto no fim-de-semana. Estava feliz, iria regressar ao prédio onde tinha morado quando vivi cá, com uma vista brutal sobre a baía e sobre a cidade, a casa está impecável, com obras recentes, numa zona central, um privilégio. Estava tudo a correr tão bem... quando 1h depois o dito ficou pelo não dito e o preço da casa passou para mais 400 dólares do que o que já estava acordado... fiquei estupefacta, fula, passada... como é que é possível... já tinha a saída do hotel marcada e tudo... bolas.... Volta tudo à estaca zero.
Entretanto vi mais casa, e mais casa, nenhuma especial, em zonas já não tão aconselháveis, algumas bem mais caras, a chegarem a valores como 2.500 dólares por mês... Cheguei a inscrever-me para lista de espera de condomínios fechados mas sem grande esperança de conseguir vaga...
Entretanto no hotel acho que já nem podia mais com a comida do pequeno-almoço, já tinha alergia ao quarto, do gerente à empregada da limpeza já me conhecem pelo nome... bem... estava a criar raízes e as malas a acumular pó num canto do quarto.
Finalmente a 1ª casa que vi, teve o problema do elevador resolvido, as obras de beneficiação estão a ficar concluídas e eu voltei a ir vê-la. Ok, quando é que consegue tê-la pronta? Sábado, responde o senhorio. Fico com ela. E este sábado estavam os homens das obras a sair à hora de almoço e eu a entrar. Finalmente tenho casa.
Carreguei cerca de 150 kg de bagagem pelo elevador ressuscitado, besuntei portas, janelas e armários com mata-insectos, lavei casas de banho, bancadas e etc's e tais, olhei pela janela e finalmente sinto-me em casa.

sexta-feira, janeiro 16, 2009

Uma equipa fantástica

A minha equipa aqui em Maputo tem-me surpreendido a cada dia que passa. Ao completar uma semana e meia da minha chegada, o balanço do relacionamento com todos eles tem sido positivo, e há alguns momentos que acho tão importantes, por serem simples e sinceros, que tenho de partilhar convsco.
O encarregado, o meu braço direito operacional (como o chamei um dia), mais conhecido por comandante, por já ter sido sargento das tropas portuguesas na época do ultramar, é uma pessoa grande e impõe respeito. Com ele tive já 2 episódios muito marcantes que tenho que relatar.
No meu 3º dia de trabalho, quando fazia a minha apresentação ao 3º e último grupo de recolha, ele apresentou-me assim “esta é a nossa chefe, é a nossa mãe”. As lágrimas quase me vieram aos olhos, mas controlei-me, e passo a explicar porquê: aqui a maior expressão de respeito que se pode ter por uma mulher é chamá-la de mãe, pelas ligações muito fortes que têm culturalmente com a família, e eu sabia disto, e por saber disto não esperava que me viessem a ter em tão elevada consideração tão cedo. Foi bom… foi muito emocionante… coisas como esta tiram-nos as palavras, tiram-nos o chão. J
Hoje, voltou a surpreender-me ao dizer-me que me queria oferecer uma pulseira feita por si, e que esperava que a minha mãe chegasse rápido a Maputo para fazer-lhe uma pulseira a ela também. E explica-me assim “é que eu trabalho bem marfim”. J Já lhe expliquei que só uso madeira, não uso marfim, porque prefiro vê-lo nos elefantes vivos do que nos meus braços, mas o orgulho nos olhos deste homem ao dizer-me que é artesão e que sabe fazer mais do que o que já me mostrou, é tão grande…
Entretanto vão surgindo surpresas de outros lados. A secretária trouxe-me uma manga, linda vermelhinha, cheirosa, como só as mangas de cá sabem ser, colhida do seu quintal na Matola, “achei que ia gostar” disse-me, e eu sorri babada porque adoro manga. Um doce…
Hoje o responsável da contabilidade saiu para tratar de milhares de assuntos na rua e quando chegou veio fazer o ponto de situação e para acompanhar trouxe um saquinho de amendoim torrado em areia, daquele que eu adoro e morria de saudades… vocês sabem o que isso é? Hummm é muito bom… delícias.
Como fazia em Cabo Verde decidi que logo que tenha casa vou passar a trazer os meus bolinhos caseiros para aqui também, alguns de vocês sabem que aos domingos gosto de fazer bolos, pois estes meus colegas vão ter à 2ª feira um contributo para a engorda não tarda muito, espero eu (só falta a casa e forno).

segunda-feira, janeiro 12, 2009

1º Fim-de-semana

Depois de uma semana cheia de sol e muito calor, o sábado acordou ligeiramente cinzento e foi a pouco e pouco carregando céu de nuvens. A meio da manhã, depois de um pequeno-almoço descansado, fui ver um apartamento que teoricamente reunia as condições desejadas. Chagada ao local, percebemos que o elevador estava avariado, e então o que fazer? decidi que mesmo assim ia ver a dita casa. Toca a subir, subir, subir... e pára para descansar, e depois sobe mais e mais e mais, e pronto chegámos com a língua de fora ao 8º andar. Abrimos uma porta, depois outra, e finalmente no hall do piso abrimos o portão da casa com 2 cadeados, e depois finalmente a porta reforçada. A casa era um T3, com sala grande, cozinha gigante, 1 varanda, zona de lavagem, 2 wc, 3 quartos com ar condicionado, wc para empregada, copa, electrodomésticos incluindo 2 frigoríficos, 1 arca e 1 máquina de lavar a roupa. Acabadinha de pintar, com mobília em todas as divisões, apesar da época de Luís XV, mas com umas capulanas em cima dá para disfarçar. 1500 dólares por mês, mais condomínio, mais tv-cabo, mais internet, mas ainda tem lugar na garagem. Parece-me bem, não fossem os 8 andares para subir cada vez que o elevador avaria (e ao que parece é bastante frequente). Decidi que é melhor procurar mais casas e desta vez mais baixas.
Saio daqui e vou ao Polana Shopping Center, entro na europa, e tenho tudo o que preciso e não preciso está ali à mão de semear, ao passo que lá fora para muitos falta tudo... enfim... coisas de país em vias de desenvolvimento (em linguagem politicamente correcta).
Almoço depois num dos sítios que mais me é familiar o Clube Naval, onde fui sócia, eu e toda a família, onde tínhamos o barco Caluca, que procurei nas boxes mas não encontrei, onde nadava na piscina, de onde saiam os barcos à vela, onde se mostravam os troféus das pescarias de fim-de-semana... memórias.
À tarde choveu, e choveu tanto que só parou de chover na 2ª feira, daquela chuva grossa que cada gota parece um copo de água, daquela chuva quente de verão, daquela que eu apanhava quando estava na escola enquanto jogávamos às escondidas...
No domingo com a capa da chuva vestida meti-me a caminho para casa de uns amigos, almoço em boa companhia, senti-me em casa, como sempre eles me fazem sentir. Fiquei lá horas e acabámos o dia a ver e a cantar o “Mamma mia”, mais uma vez... foi tão bom... delicioso. Obrigada amigos.
Para fechar o fim-de-semana fui "apanhada" pela polícia, e a história merece ser contada: Farda cinzenta (que pelos vistos não é polícia de trânsito nem lhe dá o direito de me pedir a carta de condução, mas só descobri isso mais tarde), armado com uma arma semi-automática de meter respeito, diz que tenho de pagar uma multa de 1.500 meticais (qualquer coisa como 42 €, quando a multa máxima cá é de 1.000 meticais segundo me informaram mais tarde). Respondi que não tinha comigo essa quantia (verdade verdadinha), disse-me que tinha que me apreender a carta até eu pagar e que me passava uma credencial para eu continuar a conduzir, eu respondi que isso não podia ser porque a credencial apenas substituía a carta de condução e a carta de condução não serve apenas para conduzir, é também o meu documento de identificação, pelo que se eu necessitasse de me identificar a algum colega dele até levantar a carta não tinha como. Começou então a dizer que estava só a fazer o seu trabalho, e eu respondi que compreendia e que o respeitava por isso e por considerar que o seu trabalho era muito importante e que era principalmente de educar e sensibilizar as pessoas. Ele disse então que não podia deixar de passar a multa porque esse era dinheiro que iria para os cofres do estado (e eu já a ver o rumo da conversa), disse-lhe que sim, mas que me deixasse então pagar na 2ª feira depois de levantar dinheiro. Ele então disse que ganhava uma comissão da multa, e eu perguntei quanto. 50%, eu arregalei os olhos (750 meticais, bolas, pensei cá para mim). Disse-lhe claramente, olhe, não tenho mesmo esse dinheiro, se tivesse dava-lho já de bom grado (até tinha, mas...), é que eu saí só por um bocadinho e sem dinheiro. Ele disse então para ver o que é que eu podia fazer... dar o que pudesse, ao que eu respondi, que eu vim só com dinheiro para tomar café, porque vinha mesmo só tomar café (tinha ido comer um gelado, mas pronto, até porque não bebo café à noite). Estendeu-me a carta e disse, pode ir. Estendi-lhe a mão e dei-lhe um aperto de mão, agradeci e desejei continuação de bom trabalho. Atravessei a rua, sentei-me no café e tive mesmo que tomar o café... gelados... nicles... fica para a próxima... poupei o dinheiro do gelado e da multa.
Bem me parecia que eles andavam aí... e bem perto.

quinta-feira, janeiro 08, 2009

Uma aventura nas estradas

Depois do almoço do primeiro dia de trabalho foram buscar-me ao hotel e passaram-me a chave para as mãos e, logo ali, explicaram-me em 2 minutos os segredos do carro.
Ora carrega-se neste botão para abrir as portas, entrar, fechar as portas, trancar as portas, por a chave na ignição (já sei, até aqui nada fora do normal), e passar a mão aqui neste botãozinho escondido para desactivar o corta corrente senão começa a disparar o alarme e não consegue andar com o carro. Ahhh, ok o carro tem truque… boa. Lá aprendi a coisa.
Entro no carro e faço tudo isto com mais um pormenor à mistura: entra-se do lado direito do carro, volante do lado direito, mudanças do lado esquerdo (a meio do carro como todos os outros), com a 1ª a meter para a esquerda e a 5ª a meter para a direita (tal como nos outros carros), os pedais exactamente na mesma posição, olho para os espelhos não estou habituada a vê-los naqueles sítios, o carro também cresce para a esquerda e não para a direita… bem… não há-de ser nada.
Ponho o carro a trabalhar depois de me livrar do truque. E agora o sentido nas estradas também é todo ao contrário…. Ai ai ai, faixa dos lentos é à esquerda, circulamos pela esquerda, ultrapassamos pela direita, atenção fazer o pisca e ligar as luzes também é no manípulo da direita (bolas já liguei o limpa pára-brisas), tenho que ter o eixo de via junto a mim do lado direito senão arrisco-me a bater no passeio, meto a segunda (mas antes disso bato com toda a força com a mão direita na porta do carro… dói), lá atino com a coisa.
Chego à primeira rotunda… e agora… pois, é mesmo ao contrário, não sei explicar mas com jeito a coisa vai. Consegui um bocado a custo chegar ao trabalho, não bati em ninguém, não atropelei ninguém, não subi passeios, não deixei o carro ir abaixo, usei todas as mudanças e o alarme não tocou. Até o motorista que ia ao lado manteve um ar sereno e não veio agarrado ao banco. Posso dizer que foi um sucesso.
Ao fim do dia ao regressar ao hotel a aventura foi feita de noite com as luzes acesas, também correu bem, com menos movimento e já sozinha, acho que já posso receber visitas e ir buscar-vos ao aeroporto. Já tive outra cobaia entretanto, ainda não morreu de susto e até já arriscou duas vezes.
Agora o meu stress mais recente é ser mandada parar pela polícia ou pelos militares, e isso não deve faltar muito, eles andam aí.

quarta-feira, janeiro 07, 2009

Uma aventura na alfândega

8h da manhã cheia de energia e com o pequeno-almoço tomado, sigo para o terminal de carga do aeroporto para levantar as minhas 4 malas que totalizavam 100kg.
Chego com os papéis na mão, dirijo-me à primeira pessoa que estava com ar de guarda do lugar sentado num banco e ele aponta para a porta do lado. Aqui dizem-me para ir ao portão do outro lado ao armazém, aqui no guiché da carga, olham para os papéis sem sequer dizerem bom dia e dizem para ir ao balcão da alfândega, e finalmente encontramos alguém que nos explica minimamente o que se vai passar. Então primeiro tem de escrever um requerimento, comprar uma folha, preencher a folha, tirar fotocópia do passaporte, anexar ao papel que trouxe de Portugal e ao outro que me entregaram no hotel, e entregar tudo isto aqui mesmo. OK, percebido. Faço isto tudo e (atenção a esta parte) no requerimento escrevo qualquer coisa do género: "venho respeitosamente requerer que V.Excelência se digne autorizar o levantamento da minha bagagem pessoal isento de formalidades de despacho". Paguei 299 meticais e julguei que a parte isenta de formalidades de despacho teria muito significado, mas como percebi mais tarde estava redondamente enganada, ora vejamos.
Entreguei a papelada toda na 1ª porta à direita para o Sr da 1ª secretária assinar e registar no livro grande, depois fui à 2ª porta à direita falei com a 3ª senhora ao balcão, carimbou 3 folhas das muitas do meu molho e disse para ir lá para fora "apanhar ar durante meia hora". Segui as ordens que me eram dadas, fui para o carro apanhar ar condicionado porque às 10h da manhã (sim com isto já eram 10h da manhã) a temperatura já tinha subido para os 35ºC.
Meia hora depois voltei, a senhora disse-me para ir ao 1º sítio onde tinha feito o requerimento, lá fui, cheguei lá peguei nos papéis preencheram uns rabiscos num livro pequeno e disseram-me que podia ir ao armazém buscar as malas para serem revistadas. Revistadas? Todas? "Sim, o chefe mandou revistar", pensei cá para mim, trago 4 míseras malas com roupa usada, barbatas de mergulho, e equipamento de equitação, descriminei ponto por ponto tudo o que trazia em 2 folhas A4 e agora ainda querem ver as malas todas? e ao meu lado vem montes de importadores com caixotes em paletes, que sabe-se lá o que trazem, enchem-se camiões com eles e ninguém abre sequer uma caixa... ora bolas... isto está mal... deve ser por ser turista... devem achar que venho para cá vender a minha roupa. Mas adiante.
Toca a rasgar a plastificação de 5€/mala, abrir os cadeados, o revisor pede para afastar a toalha de praia, o casaco, as barbatanas... pergunta se é tudo usado, digo que sim, pergunta quanto tempo vou ficar cá, ao que respondo que tenciono ficar cá a viver. Afinal era esta a resposta que faltava, deve ter-se feito luz, "pode fechar, então seja bem vinda, espero que goste de ficar por cá." Obrigada digo eu. Mas isto ainda não acabou por aqui.
A informação segue para o chefe, o chefe demora demora demora, vou fazer uma espera para junto da 3ª senhora do balcão, lá vem o meu processo, são 11h35, os serviços fecham às 12h para o almoço... aiiii que vai ser apertado. Corro para a 1ª porta do lado direito, o senhor da 2ª secretária assina e carimba mais 3 das minhas muitas folhas, corro para o armazém e já suo em bica, vou finalmente ao balcão da carga, fazem-se as contas e tenho que pagar o manuseamento da carga, mais 1.170 meticais, desembolsa no balcão do lado que aqui cada coisa é feita no seu sítio. Paguei e carimbei, vou ao senhor que tinha ido buscar as minhas malas, ele assina, eu assino e ponho a data, vou ao revisor ele carimba e assina, deseja mais uma vez bom dia, e sigo para o guiché de carga, entrego o papel, pego nas malas e vou a sair. Já com um pé de fora sou parada mais um Sr desta vez da taxa de carga diz-me que ainda não paguei, "ohhh meu deus", lá faz umas contas manhosas, são 11:55h, estou em desespero... são mais 200 meticais. Bolas. Nem acredito.
Saio do armazém ponho as malas no carro, finalmente acabou esta saga. E isto tudo isento de formalidades... nem quero imaginar se houvesse formalidades...
O motorista diz-me que se tivesse desembolsado mais 500 já estaria com tudo resolvido a meio da manhã, mas explico-lhe que isso vai contra os meus princípios, não pago mais pelo trabalho que cada um tem de fazer. Custou-me, penei, mas passei mais este teste, um teste de paciência, calma, de não ceder ao facilitismo e pequena corrupção, e sempre com um sorriso nos lábios.
Cheguei ao hotel e tive que tomar um banho gelado, à tarde ia trabalhar no duro, e não podia dar-me ao luxo de estar cansada. Felizmente o sol e o calor têm em mim um efeito revigorante, e a seguir ao almoço a energia e o espírito estavam outra vez em alta.

terça-feira, janeiro 06, 2009

A viagem

“Srs Passageiros, pedimos a vossa atenção (…) for the safety vídeo presentation” foi com qualquer coisa do género que começou o percurso para a pista, com falhas de memória incluídas. Estava cansada, estes últimos dias de preparativos tinham-me deixado de rastos. As despedidas tinham sido sempre que possível nos dias anteriores e a maior parte não presenciais, porque efectivamente assim custa menos, mas mesmo assim esgotei a minha dose de lágrimas. Tal como escrevo no post anterior, as despedidas não são fáceis mas esta tem um sabor diferente e especial.
Voltando a voo. Olho pela janela, o lugar é privilegiado, estou junto ao nariz, tão perto que sou das primeiras a perceber que descolamos suavemente do solo. As luzes do lado oriental de Lisboa afastam-se de nós, subimo-nos vislumbrando o lado que menos gostos de Lisboa, prefiro as minhas bandas, mas não se pode ter tudo… passamos o rio Tejo em ascensão e já na península de Setúbal começa a turvar-se a vista, a bruma dos dias cinzentos mesmo de noite paira no ar. Em segundos esconde as minhas referências em terra, em vez destas tenho as estrelas, as minhas guias e companheiras de viagem de sempre, aquelas que aprendi a reconhecer nos acampamentos na Serra de Estrela e que vi mudar nas noites quentes de África, aquelas que estão lá todas as noites, em todos os meus voos.
De manhã bem cedo o despertar faz-se com uma toalha quente nas mãos e um “bom dia” do comandante, o pequeno-almoço é servido e passado pouco tempo inicia-se a descida para Jo-burg (Joanesburgo). Finalmente abro a janela e agora reconheço o vasto continente africano que tanto me fascina, já o sobrevoo, já quase o toco, daqui a pouco mais de 3 horas pisarei o solo, a ansiedade da chegada cresce em mim.
Passadas 3 horas efectivamente piso solo africano, mas ainda na África do Sul, foi detectada uma avaria no motor… depois de ficarmos fechados no avião até suar em bica lá conseguimos autorização para desembarcar na free-shop do aeroporto. As lojas de artesanato africano misturam-se com a Body-shop, a Lacoste e outras do género. Dei voltas e voltas, finalmente o problema está resolvido, com 3 horas de atraso partimos para o destino final e aterro no aeroporto de Mavalane… Maputo at last. O bafo quente denuncia o verão africano, dão 17:30 e estão 35ºC, que maravilha…
À minha espera e já quase em desespero, mas avisado do atraso, esperavam-me da empresa, saí com as malas que trazia no avião, as da bagagem não acompanhada têm de ficar para amanhã porque o terminal de carga já está a fechar a esta hora. Sigo para o hotel , tomo um banho, troco dinheiro, vou jantar, desfaço as malas e às 21h cometo a minha primeira loucura um mergulho na piscina no terraço do hotel, a cidade toda à minha volta, é noite a temperatura óptima. Sim, estou cá.

segunda-feira, janeiro 05, 2009

A lágrima mais doce

Escolhi este título de post já há muito tempo porque é assim que sinto esta minha viagem.
As lágrimas normalmente salgadas, associadas a dor ou a alegria, desta vez são muito mais do que só isso. Estas minhas lágrimas de despedida doeram, arderam ao deslizar nas faces. Eram salgadas por natureza e eram lágrimas de dor, mas ao mesmo tempo eram lágrimas doces cheias de amor, cheias de carinho, cheias de doces abraços, beijos, palavras e olhares, cheias de doces sentimentos. Estas lágrimas são de partida mas também são de regresso, são de recomeço, de conquista, são lágrimas que partilho aqui convosco mas que são todas elas para a minha família.