O segundo dia da estadia no Eito começou com a observação das lides diárias da casa: pilar o milho, cozinhar a cachupa, fazer doces caseiros, hum… delícia… com os ares da “serra” repleto de cheiros a comida caseira, o apetite abriu e mais uma vez lá tive que comer um pequeno-almoço gigante… oh que chatice…
Como em férias não há pressa, nem compromissos, nem nada para fazer, ficámos sentados à sombra a ver as pessoas passar na estrada. Todos os que passavam cumprimentavam com um “bom dia” sonoro, mas a conversa não ficava por aí… Alguns, muitos, paravam e trocavam connosco dois dedos de conversa, e às vezes lá surgia um personagem que nos contava uma mão cheia de histórias. Em apenas algumas horas fiquei a saber a vida de uns quantos que por ali viviam, sem perguntar nada punham-me a par da sua família, do seu dia-a-dia, da sua vida. Raras foram as vezes que eu não percebia o que me diziam, acho que ao fim de uns dias o meu ouvido já se tinha habituado a ouvir crioulo, e por isso percebia a maior parte do que me diziam. No entanto não me safei de nestes dias ser abordada com perguntas com segundos significados que eu não percebia, é que a linguagem popular é bem mais difícil de perceber do que o crioulo “convencional”. Em poucos dias enriqueci o meu dicionário, mas ainda sinto uma enorme dificuldade e medo de começar a falar… é que para os portugueses é fácil perceber o crioulo, mas é difícil falar, digo isto porque a minha tendência mais natural é de continuar a dizer as palavras em português, esquecendo-me de as cortar a meio e de lhes dar aquela entoação estranha. Para qualquer um de vocês que viesse cá, penso que seria fácil começarem a perceber o que se diz em apenas 2 semanas (se calhar até menos), mas se tentassem falar tenho a certeza que o que diziam sairia muito mais parecido com o português do que com o crioulo.
Mas voltando ao relato do dia 5 de Setembro, como parar é morrer decidimos descer um bocadinho o vale e lá mais abaixo falar com as pessoas. Já não me ria tanto à muito tempo… entre ponche de mel acompanhado de bananas e umas cervejinhas fresquinhas, ríamos como uns perdidos perante os comentários hilariantes do artesão mais famoso da Ribeira… falou-me da sua vida, do que fazia e do que tinha para me oferecer caso me quisesse casar com ele… Não me senti invadida nem incomodada, pelo contrário, as conversas mostraram uma pureza de sentimentos como já não estava habituada a ver…
Mais para a tarde decidimos meter-nos a pé pelo caminho que a subir nos levaria ao fim-de-estrada. Mal começámos a andar comecei a sentir o quão em baixo de forma estou… só me apetecia parar, dormir à beira da estrada, tirar fotografias enquanto estava deitada, e esperar pacientemente por uma boleia que nos viesse salvar. Depois de andar um pequeno troço do percurso lá conseguimos que uma “Hiace” parasse para nos levar. Dentro da viatura iam principalmente locais que ao fim do dia regressavam a casa, ia também o novo morador da zona, se não me engano um Italiano que decidiu vir para aqui morar… ao longo do caminho foram saindo todos nos sítios mais incríveis… bem afastados das casas onde moravam… muitas vezes as pessoas tinham que andar longos minutos por caminhos de pé-posto com inclinações inacreditáveis, para chegar ao conforto do lar… as casas que se vêm um pouco espalhadas por todo o lado são pequenas, são feitas de pedra sobre pedra com telhados de palha ou de cana seca. Podem encontrar-se casas em pequenos aglomerados ou mesmo isoladas de tudo o resto, algumas estão construídas à beira de ravinas, outras no topo das montanhas onde se imagina um acesso impossível. Só para viver nestes locais que desafiam a força física é preciso ter muita coragem…
Chegados ao fim-de-estrada percebi que é mesmo onde a estrada acaba no cima da Ribeira do Paúl… daqui temos vista privilegiada sobre o vale, aqui as pessoas carregam com as provisões à cabeça, andando rapidamente por entre casas, por entre as plantações, em caminhos de pedra que atravessam o curso normal das ribeiras. Quem chega aqui pela primeira vez, e se deparada com um cenário como o que eu vi, fica todo arrepiado… as pessoas de uma simpatia… a força que têm no corpo e a leveza dos seus traços… as montanhas enormes e poderosas pintadas de verde, o vale rico em tudo, as nuvens aqui bem perto, tão perto que quase as podemos tocar, o silêncio do princípio do mundo, aquele tipo de silêncio que não se escuta em mais nenhuma lugar… O nevoeiro era tanto e cada vez mais cerrado que julguei estar num sonho, num local perdido e que só por sorte se pode achar… parámos para contemplar a paisagem enquanto bebia mais um ponche na casa do produtor, acompanhado mais uma vez por banana prata… senti um arrepio na pele, de repente começou a arrefecer, era o sol que se punha lentamente por detrás da montanha, e era a chuva que decidia começar a cair. Num sítio onde não imaginava estar, a fazer o que nunca me tinha passado pela cabeça, começo a assistir a uma tempestade tropical que nos podia ter deixado presos nesta zona do vale durante a noite. Mas mal as gotas começaram a ficar mais leves era hora de partir… voltámos à estrada e logo no início do percurso conseguimos arranjar boleia para descer. À medida que a carrinha de caixa aberta ia avançando iam entrando e saindo pessoas, só nós fizemos o percurso todo até Vila das Pombas, a parte mais baixa da Ribeira. Em alguns minutos fizemos um percurso que a pé demoraria cerca de 4 horas, conseguimos com sorte fugir à escuridão da noite no meio da estrada, o carro que nos havia dado boleia tinha sido o último a sair do fim-de-estrada.
Já na Vila das Pombas parámos na tasca de palha que se encontra sobre a praia de mar, e esfomeados de tanto “andar” decidimos cometer uma loucura nada saudável… comer perna de frango frita acompanhada de uma dose brutal de batatas fritas regadas com ketchup e maionese… o top da fast food em Cabo Verde… nham nham…
Regressados a casa o recolher obrigatório foi ditado pela costumeira falta de luz… o céu estava fantástico, negro pintado de estrelas… tão nítido que até se podia ver com clareza a Via Láctea… já desde pequenina que não me lembrava de ver um céu assim… sem poluição, sem nuvens e sem pontos de luz que pudessem estragar a festa… e ainda por cima no meio do oceano… querem melhor do que isto?
Peguei no candeeiro a óleo e segui para o meu quarto, o gerador já tinha sido desligado por isso o silêncio era total… a Ribeira do Paul deitara-se toda à mesma hora, para acordar bem cedo com o nascer do sol.
Como em férias não há pressa, nem compromissos, nem nada para fazer, ficámos sentados à sombra a ver as pessoas passar na estrada. Todos os que passavam cumprimentavam com um “bom dia” sonoro, mas a conversa não ficava por aí… Alguns, muitos, paravam e trocavam connosco dois dedos de conversa, e às vezes lá surgia um personagem que nos contava uma mão cheia de histórias. Em apenas algumas horas fiquei a saber a vida de uns quantos que por ali viviam, sem perguntar nada punham-me a par da sua família, do seu dia-a-dia, da sua vida. Raras foram as vezes que eu não percebia o que me diziam, acho que ao fim de uns dias o meu ouvido já se tinha habituado a ouvir crioulo, e por isso percebia a maior parte do que me diziam. No entanto não me safei de nestes dias ser abordada com perguntas com segundos significados que eu não percebia, é que a linguagem popular é bem mais difícil de perceber do que o crioulo “convencional”. Em poucos dias enriqueci o meu dicionário, mas ainda sinto uma enorme dificuldade e medo de começar a falar… é que para os portugueses é fácil perceber o crioulo, mas é difícil falar, digo isto porque a minha tendência mais natural é de continuar a dizer as palavras em português, esquecendo-me de as cortar a meio e de lhes dar aquela entoação estranha. Para qualquer um de vocês que viesse cá, penso que seria fácil começarem a perceber o que se diz em apenas 2 semanas (se calhar até menos), mas se tentassem falar tenho a certeza que o que diziam sairia muito mais parecido com o português do que com o crioulo.
Mas voltando ao relato do dia 5 de Setembro, como parar é morrer decidimos descer um bocadinho o vale e lá mais abaixo falar com as pessoas. Já não me ria tanto à muito tempo… entre ponche de mel acompanhado de bananas e umas cervejinhas fresquinhas, ríamos como uns perdidos perante os comentários hilariantes do artesão mais famoso da Ribeira… falou-me da sua vida, do que fazia e do que tinha para me oferecer caso me quisesse casar com ele… Não me senti invadida nem incomodada, pelo contrário, as conversas mostraram uma pureza de sentimentos como já não estava habituada a ver…
Mais para a tarde decidimos meter-nos a pé pelo caminho que a subir nos levaria ao fim-de-estrada. Mal começámos a andar comecei a sentir o quão em baixo de forma estou… só me apetecia parar, dormir à beira da estrada, tirar fotografias enquanto estava deitada, e esperar pacientemente por uma boleia que nos viesse salvar. Depois de andar um pequeno troço do percurso lá conseguimos que uma “Hiace” parasse para nos levar. Dentro da viatura iam principalmente locais que ao fim do dia regressavam a casa, ia também o novo morador da zona, se não me engano um Italiano que decidiu vir para aqui morar… ao longo do caminho foram saindo todos nos sítios mais incríveis… bem afastados das casas onde moravam… muitas vezes as pessoas tinham que andar longos minutos por caminhos de pé-posto com inclinações inacreditáveis, para chegar ao conforto do lar… as casas que se vêm um pouco espalhadas por todo o lado são pequenas, são feitas de pedra sobre pedra com telhados de palha ou de cana seca. Podem encontrar-se casas em pequenos aglomerados ou mesmo isoladas de tudo o resto, algumas estão construídas à beira de ravinas, outras no topo das montanhas onde se imagina um acesso impossível. Só para viver nestes locais que desafiam a força física é preciso ter muita coragem…
Chegados ao fim-de-estrada percebi que é mesmo onde a estrada acaba no cima da Ribeira do Paúl… daqui temos vista privilegiada sobre o vale, aqui as pessoas carregam com as provisões à cabeça, andando rapidamente por entre casas, por entre as plantações, em caminhos de pedra que atravessam o curso normal das ribeiras. Quem chega aqui pela primeira vez, e se deparada com um cenário como o que eu vi, fica todo arrepiado… as pessoas de uma simpatia… a força que têm no corpo e a leveza dos seus traços… as montanhas enormes e poderosas pintadas de verde, o vale rico em tudo, as nuvens aqui bem perto, tão perto que quase as podemos tocar, o silêncio do princípio do mundo, aquele tipo de silêncio que não se escuta em mais nenhuma lugar… O nevoeiro era tanto e cada vez mais cerrado que julguei estar num sonho, num local perdido e que só por sorte se pode achar… parámos para contemplar a paisagem enquanto bebia mais um ponche na casa do produtor, acompanhado mais uma vez por banana prata… senti um arrepio na pele, de repente começou a arrefecer, era o sol que se punha lentamente por detrás da montanha, e era a chuva que decidia começar a cair. Num sítio onde não imaginava estar, a fazer o que nunca me tinha passado pela cabeça, começo a assistir a uma tempestade tropical que nos podia ter deixado presos nesta zona do vale durante a noite. Mas mal as gotas começaram a ficar mais leves era hora de partir… voltámos à estrada e logo no início do percurso conseguimos arranjar boleia para descer. À medida que a carrinha de caixa aberta ia avançando iam entrando e saindo pessoas, só nós fizemos o percurso todo até Vila das Pombas, a parte mais baixa da Ribeira. Em alguns minutos fizemos um percurso que a pé demoraria cerca de 4 horas, conseguimos com sorte fugir à escuridão da noite no meio da estrada, o carro que nos havia dado boleia tinha sido o último a sair do fim-de-estrada.
Já na Vila das Pombas parámos na tasca de palha que se encontra sobre a praia de mar, e esfomeados de tanto “andar” decidimos cometer uma loucura nada saudável… comer perna de frango frita acompanhada de uma dose brutal de batatas fritas regadas com ketchup e maionese… o top da fast food em Cabo Verde… nham nham…
Regressados a casa o recolher obrigatório foi ditado pela costumeira falta de luz… o céu estava fantástico, negro pintado de estrelas… tão nítido que até se podia ver com clareza a Via Láctea… já desde pequenina que não me lembrava de ver um céu assim… sem poluição, sem nuvens e sem pontos de luz que pudessem estragar a festa… e ainda por cima no meio do oceano… querem melhor do que isto?
Peguei no candeeiro a óleo e segui para o meu quarto, o gerador já tinha sido desligado por isso o silêncio era total… a Ribeira do Paul deitara-se toda à mesma hora, para acordar bem cedo com o nascer do sol.
2 comentários:
Blogs vs. the law: A showdown about third party commentary
The Wild West days of the Internet's digital frontier could be tamed, as bloggers await the outcome of a lawsuit in which one of their own was sued for comments posted on his Web log or "blog." State ...
Want to find Gold? Even Gold you can’t see to start with! Micron gold and gold in water? More info? Gold in Water If not SORRY to bother you! Denis
Queres matar-me de fome? As tuas refeições são de fazer "água na boca"... espero que aprendas a fazer bem essa canja e a cachupa... mal posso esperar!!!
Tenho de ir comer qualquer coisita, fiquei mesmo "aguada"...
Bjinhos, diverte-te o mais que puderes, tu mereces!
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