quarta-feira, maio 23, 2012

Mudanças

Há dias... vários dias... que penso que tenho que escrever isto ou aquilo, mas depois penso que o melhor é mesmo guardar para mim as palavras, tal como guardo para mim as imagens (e por isso tenho tão poucas fotografias). Mas depois há dias como o de hoje, em que sinto que escrever me faz bem, me faz pensar num futuro lá longe, onde vou ler o que agora escrevi e vou recordar o que senti, o que vivi, o que experienciei.
Hoje é um apenas mais um dia normal, mas no meio de uns meses que em nada têm sido normais. Já vos contei a história da minha vida? venho contando aos bocadinhos... mas, e a história da minha vida desde o início deste ano? essa ainda não.
Então em breves palavras conto o que me vem à cabeça sem grande ordem lógica. E faço-o hoje porque perdi mais uma tia, daquelas do coração, e percebi (mais uma vez, infelizmente) que a vida são pequenos retalhos que partilhamos, pequenos momentos em que nos damos e em que recebemos o que os outros são.

Durante 3 anos andei a lutar para provar ao mundo e a mim mesma que era capaz de levar a avante um projecto profissional, que agora percebo era completamente louco, e que me desgastou fisica e psicologicamente, de uma forma que nunca pensei que fosse possível. Sem vos conseguir descrever os momentos que passei, falo apenas de alguns alertas que tive e que fui ignorando até estar à beira de um esgotamento.
 No primeiro ano do projecto, a felicidade que sentia por estar em Moçambique era tanta que o meu corpo foi sugado de toda e qualquer energia, sem que me apercebesse disso. Foi só no início do 2º ano de projecto que percebi que alguma coisa não estava bem.
Alergias, constipações, infecções e enxaquecas pareciam que estavam em disputa permanente para ver quem conseguia maior tempo de antena. Depois vieram os ataques de ansiedade durante o dia, depois ao acordar e mais tarde um aperto no peito constante que se agudizava quando o telemóvel começava a tocar. Inconscientemente associei o som e até mesmo a vibração do telemóvel a problemas de trabalho e a stress, e isso fez gerar mais stress.

Nesta altura fui a 2 médicos em Moçambique e 1 em Portugal, e mesmo assim foi difícil acreditar que algo estava errado comigo. Diagnosticaram-me uma depressão associada a um esgotamento físico. Nesta altura percebi que a pressão arterial normal não é 18 / 12, percebi que o meu corpo estava em stress constante, o colestrol altíssimo, os açucares também, e etc etc etc. Tive ordem imediata para parar, para dormir... caso contrário qualquer um destes médicos iria passar-me uma baixa médica.
Ok. Foi aqui que vi que exagerei, foi aqui que percebi que tinha que mudar de vida. Assim, lentamente, fui tentando por as peças do puzzle, que era a minha cabeça, no lugar.
Apercebi-me que não conseguia decorar mais nada, que não me lembrava de compromissos, que para pensar tinha que fazer um esforço brutal e mesmo assim pensava a passo de caracol, quando comparado com o meu eu passado que pensava à velocidade da luz.
Então, entrando no último ano do projecto programei umas férias e uma viagem que parecia demasiado arriscada e louca, mas que acabou por ser tão simples, tranquila, magnífica e centrada nas coisas belas e momentos que ficam na memória.

Esta viagem foi a volta a Moçambique. E foi aqui que se iniciou a minha verdadeira mudança. Foi depois da viagem que decidi que tinha que mudar a minha vida e voltar a agarrar as rédeas do meu destino. Foi durante a viagem que percebi que tinha vivido os últimos 12 anos a pensar na minha evolução profissional, e que me tinha, algures no caminho, esquecido de mim.
Decidi que até Fevereiro de 2012 tinha que tomar alguma decisão que implicasse mudança, e é essa mudança enorme que se está ainda hoje a processar em mim.

E em Fevereiro iniciaram-se então as mudanças. Pedi licença sem vencimento no grupo Águas de Portugal, abracei um desafio profissional diferente, mudei de casa, adoptei um gato para dar cabo das baratas e confusionar os meus canitos. Agora que já iniciei este processo de mudança percebo que ainda não acabou, e que afinal as mudanças que preciso são ainda mais profundas do que imaginei no início.
Preciso de voltar um bocadinho atrás no tempo e deixar de ser tão adulta e tão pouco criança. Não me apercebi desta mudança, mas crescer assim não me fez bem, foi muito rápido, e por pouco não perdi a o meu eu criança, aquele eu que deve sempre habitar em nós.
Mas a maior de todas as mudanças é o facto de eu agora assumir claramente que adoro viver aqui :) e, pelo menos por enquanto, é aqui que quero viver. Nesta terra que me abraça calorosamente desde o amanhecer, onde tomo o pequeno-almoço no quintal enquanto os canitos dormitam ao sol e o gatufis sobe às árvores.

É agora, antes de continuar neste processo de mudança, que tenho que vos dizer, olhando nos olhos de cada um (assim o imagino) "Desculpa por ficar tão longe, tanto tempo. Desculpa por ter decidido que agora vivo em África." e ao mesmo tempo dizer "Penso em ti todos os dias, sinto a tua falta todos os dias. Sinto falta das nossas conversas, dos nossos cafésinhos, do sorriso dos teus filhos, sinto falta de os ver crescer." .
Ainda ontem escrevi a uma amiga e disse-lhe "Espero que me compreendas, tu que me percebes tão bem" (tal como os meus amigos, aqueles do coração). Eu sei que compreendem incondicionalmente, porque isso é amizade, mas acho que vos devo uma explicação. Adoro ver-vos e, quando a distância não permite, adoro falar convosco ao telefone. Mas de cada vez que falo convosco choro por dentro com uma dor infinita que me custa tanto, mas tanto, aguentar. É por isto que não ligo tantas vezes... pelo menos não tantas como gostaria.

Não posso prometer nada neste meu discurso longo, nesta introspecção pública. Não posso prometer mais viagens a Portugal, visitas a toda a gente, mas uma coisa posso prometer, estão sempre no meu coração. E durante este processo de mudança foram vocês que me deram força para começar, e são agora também o que me move. A nossa amizade é uma parte fundamental da minha vida, e da minha felicidade. A única coisa que posso prometer, e prometo sempre a mim própria, é que todos os dias sou feliz, e se tal é possível, a mudança em curso tem apenas como objectivo trazer ainda mais felicidade para junto de mim.

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